quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A GALINHA DANÇANTE - conto da confrade EDNA HELENA C. MENDES

 CONFRARIA,

A GALINHA DANÇANTE ...


         Este episódio se passa na década final de 40 e tem como pano de fundo a histórica e tranqüila cidade de Diamantina, encravada no norte de Minas Gerais.
Não tive participação ativa no episódio que vou relatar. Na época eu era tão somente uma criança pequena, mas já ouvi no decorrer da minha vida, contar esse caso centenas de vezes. É muito interessante e demonstra a união e solidariedade que têm entre si, esses irmãos-primos-amigos.
            Havia três irmãs casadas e cheias de filhos: Daluz, Naná e Nair. Aliás, naquela época era comum família com prole numerosa. Todos moravam perto e criavam os filhos com dificuldade, mas com muito amor. Sempre ouvi falar que os tempos estão difíceis, isso não é novo. Se agora não é fácil criar filhos, imagine naquela época, onde a média de filhos girava em torno de 6 por família. Só lá em casa éramos 9. Tia Nair era a campeã das três irmãs, com 13 ou 14 filhos, não me recordo com precisão e Tia Naná tinha 8.
            Os três maridos das irmãs em questão eram militares, sendo um tenente (meu pai) e os outros dois sargentos.
            Apesar das dificuldades vivíamos uma vidinha feliz, sendo amados, corrigidos e castigados sempre que necessário com boas palmadas na bunda, puxões de orelha e impedidos de sair de casa, literalmente sentados em um cantinho, onde chegávamos a dormir. Ninguém ousava sair do castigo sem autorização do pai ou da mãe. As palmadas, creio eu hoje, na condição de mãe, que doía mais em quem aplicava do que em quem  recebia. Cresci, ouvindo minha mãe dizer que: “Pisada de galinha não mata pinto”.
            Devido à dificuldade financeira das três famílias, era impossível que todos os filhos fossem agraciados com a matinê aos domingos.  A faixa etária dos filhos que frequentavam a matinê girava em torno de 08 aos 13 anos. Os menores não tinham problemas porque não entendiam o filme e não tinham motivação para ficarem assentados quietinhos durante duas horas seguidas.
Vale ressaltar que a matinê era praticamente a única diversão que a cidade oferecia para a meninada. As crianças das três irmãs eram bastante criativas e cuidavam de produzir sua própria diversão, estendendo-a a outras crianças e em contrapartida, ganhando um dinheirinho. Assim é que inventavam brincar de teatro e convidavam outras crianças para assistir, cobrando alguns centavos de entrada. Era uma verdadeira festa. O quintal da casa de Tia Naná servia de anfiteatro e a peça que encenavam foi também ensinada por essa tia teatróloga, que volta e meia pegava seus filhos e sobrinhos para ensaiar músicas, danças e teatrinhos para abrilhantar as quermesses da Igreja. Nem precisava dizer que a gurizada amava....
Com o dinheiro arrecadado na venda de ingressos (papeizinhos cortados), os primos/irmãos ajuntavam e todos iam felizes para a matinê. Não se importavam muito com o filme que estava em cartaz, mas sim com o seriado que vinha logo após. Quem queria perder as emoções do seriado de FUMANCHU, CAPITÃO MARVEL, ZORRO, MANDRAKE, e tantos outros super-heróis da época? Ninguém queria ficar de fora. Daí, era partir para o trabalho/diversão e tentar ganhar dinheiro para todos divertirem juntos.
Num sábado pela manhã os artistas saíram mais uma vez vendendo ingressos para o teatro que aconteceria à tarde. Desta vez não obtiveram sucesso porque aqueles pequeninos que compunham a fiel platéia declararam estar enjoados da peça. Era sempre a mesma. Já sabiam de cor.
Sem graça e meio abatidos voltaram pra casa sem saber o que fazer. Desta vez teriam que se sujeitarem às normas dos pais. Como não podiam pagar para todos os filhos, cada irmã mandava dois ou três filhos e no próximo domingo os que ficaram teriam sua vez garantida. Ah, era terrível! Os agraciados prometiam contar tudo tim tim por tim tim, mas não era a mesma coisa. Estavam cabisbaixos e tristes, quando de repente, Geraldinho (de Tia Naná), declara em alto e bom som que apresentariam um novo número.
- Qual? Exclamaram os outros.
- A Galinha Dançante! Anunciou orgulhoso. Podem sair e vender os ingressos. Vai ter espetáculo sim senhor. Podem anunciar a novidade e digam que eles vão adorar.
Chamou Daluzinha(de Tia Daluz) e Noca seu irmão para tomarem as devidas providências, cada um desempenhando sua função. Ele, o gênio criador, tocaria o cavaquinho velho de seu pai. Daluzinha tocaria um pandeiro feito com uma lata de goiabada e tampinhas de cerveja amassadas. Noca se encarregaria de arrumar as estrelas: as galináceas.
            Prepararam tudo com muito esmêro e competência. O quintal nunca esteve tão cheio. Mais uma vez Tia Naná não estava em casa. Como era de costume, se reunia com as outras irmãs no sábado a tarde para fazerem quitanda. Assim sendo não tinha nem idéia do que estava acontecendo com suas penosas.
            Excitadas e curiosas as crianças que foram assistir queriam ver como a galinha ia dançar. Por detrás do lençol que servia de cortina, tudo já estava preparado. Era só começar.
            Noca foi até o galinheiro e pegou uma galinha. Cortou suas asas até no toco. Em seguida retirou a tampa de uma daquelas latas de gordura  de 20 kg, acendeu uma pequena fogueira que abafou emborcando a lata sobre ela. O fogo esquentava o fundo da lata que servia de palco para a pobre galinha. A platéia não via esses preparativos. Pagaram para ver a galinha dançar.
Quando tudo estava arrumado, abriam a cortina (o lençol) e colocavam a galinha em cima da lata. Coitada! Como não podia voar, ficava pulando em cima da lata na tentativa de aliviar os pés que estavam queimando na chapa quente.
            As crianças aplaudiam entusiasmadas e gritavam:
            - Olhe, a galinha dançante!. Vivaaaaa! E batiam palmas aplaudindo o feito.
De um lado da lata o Geraldinho (hoje Dr Geraldo, dentista - com doutorado em Dentística e professor aposentado da FAFEOD – Faculdade Federal de Odontologia de Diamantina), tocava desafinadamente o cavaquinho, sendo acompanhado no pandeiro, pela prima Daluzinha (hoje, uma sra. viúva, mãe de quatro filhos, três netos) que por castigo ou prêmio, é uma excelente dançarina de dança de salão... Dança toda 6ª feira e não perde esse lazer por nada.
            Com o sucesso da empreitada, os organizadores repetiam o espetáculo todo sábado. Com isso garantiam o ingresso de todos na matinê de domingo.
            Tia Naná chamou seu marido para ver como suas galinhas estavam tristes. Será que estariam de “gogo”? O fato é que não estavam normais. Ficou observando e decidiu que descobriria o que estava acontecendo com elas.
Desconfiada, num sábado, saiu para fazer as quitandas. Ficou só um pouquinho e retornou escondido para casa. Sem ser vista, acompanhou passo a passo o martírio da penosa. Espantada com o que via, decidiu que esperaria até o final. Depois tomaria as devidas providências. Agora entendia a tristeza das galinhas. Estavam com os pés queimados e sentiam dor. Ahhhh aqueles moleques! Eles não perdiam por esperar. Enquanto aguardava o fim do teatro, mandou recado para as outras irmãs, convocando-as com urgência.
            Ao retornarem para dentro de casa, os artistas e seus coadjuvantes ficaram pálidos. De braços cruzados, expressão zangada, estavam as três mamães, aguardando...quem? Aí começou a ladainha.
- Quem teve a idéia?
- Por que fizeram isso? E blá, blá, blá...
            Daquele momento em diante estavam todos de castigo. Nada de matinê por um mês. Não apanharam como de costume, mas pior, muito pior, estavam proibidos de saírem pra rua, exceto para irem a escola; sem matinê, sem poder brincar à vontade. Isto tudo por um longo mês. E para completar e espiar a malineza, teriam de rezar junto com as mães todos os dias, o terço. Este era rezado cada dia na casa de uma irmã. Mães e filhos juntavam-se em oração. As mães pedindo proteção, saúde e inteligência para os filhos, e estes pedindo perdão pelo pecado cometido machucando as galinhas.
            De joelhos, cabeças baixas, expressão séria, não ousavam olhar um para o outro, sob pena de caírem na risada. Não podiam se arriscar. Se um começasse os outros acompanhariam. Sem querer? um riu baixinho. Não ousavam rir alto, mas podia-se perceber os ombros balançando e mãos tapando a boca, na tentativa quase inútil de abafar o riso.
Ihhhh, aí vem coisa...mas isso já é  assunto para outra história.


Édina Helena C. Mendes

 
Este é um conto
da confrade
EDNA HELENA C. MENDES,
de Diamantina, MG,
residente em
Montes Claros, MG.
 
NOTA:
Anos atrás ele foi
divulgado aqui na
CONFRARIA.
 
Hoje está sendo
postado no
BLOG DA CONFRARIA.
 
Abraços,
 
Marco Antônio

Um comentário:

  1. "É como eu digo: às vezes, nem nós mesmos percebemos nossas "evoluções". Tudo nos parece difícil e inacessível... Mas eis que, persistindo, descobrimos novos e melhores caminhos" - Ana Maria Leandro - 05/08/2011

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