terça-feira, 23 de agosto de 2011

VIVER FORA DO BRASIL (Adriana Setti)


CONFRARIA,

Este texto
nos foi enviado
pelo confrade
HÉLIO FÓES,
de Paranaguá, PR.

NOTA:
Foi postado no
BLOG DA CONFRARIA
http://marconogueiraconfraria.blogspot.com
e no BLOG DO NASSIF.

Abraços,

Marco Antônio
 

VIVER FORA DO BRASIL (Adriana Setti)

Fonte:
CONFRARIA MINEIRA DE CULTURA
- Enviado por HÉLIO FÓES,
de Paranaguá, PR.

VIVER FORA DO BRASIL

- Adriana Setti -

No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que
decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e
saúde) tomaram uma decisão surpreendente para um casal
 – muito enxuto, diga-se – de mais de 60 anos:
alugaram o apartamento em que moravam, num bairro
nobre de São Paulo, para um parente, enfiaram algumas peças de roupa na
mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para
uma espécie de ano sabático.
Aqui na capital catalã, os dois alugaram um apartamento
agradabilíssimo no bairro modernista do Eixample (mas com um terço do
tamanho e um vigésimo do conforto do de São Paulo), com direito a
limpeza de apenas algumas horas, uma vez por semana. Como nunca
cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e/ou
jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade:
shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente.
 Também viajaram um pouco pela Espanha e por outros países da Europa.
E tudo isso, muitas vezes,na companhia de filhos, genro, nora e amigos,
a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.
Com o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que
beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente
para viver aqui do que gastavam no Brasil.
 Sendo que em São Paulo saíam para comer fora ou para algum
programa cultural só de vez em quando (por causa do trânsito,
dos problemas de segurança, etc), moravam em apartamento
próprio e quase nunca viajavam.  Milagre?
 Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a
maioria dos pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos
filhos em benefício próprio. “Quero uma vida mais simples como a sua”,
me disse um dia a minha mãe. Isso, nesse caso, significou deixar de
lado o altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para
adotar, como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo –
da classe média europeia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em
dia (eu há dez anos e ele, quatro). O dinheiro que “sobrou” aplicaram
em coisas prazerosas e gratificantes.
Do outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média
europeia não está acostumada com a moleza. Toda pessoa normal que se
preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a
padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina
com as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo
totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo
social e, portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer
necessidade do dia a dia.
Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles
reaprenderam (uma vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo
contrário) a dar uma limpada na casa nos intervalos do dia da faxina,
a usar o transporte público e as próprias pernas, a lavar a própria
roupa, a não ter carro (e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a
levar uma vida mais “sustentável”. Não doeu nada.
Uma vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os
cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram
assim os custos fixos e, mais leves,  tornaram-se mais portáteis (este
ano, por exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda
mais simples).
Por que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse
experimento quase científico feito pelos pais é a prova concreta de
uma teoria que defendo em muitas conversas com amigos brasileiros: o
nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta
brasileira (que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de
princípios) acaba gerando stress, amarras e muita complicação como
efeitos colaterais. E isso sem falar na questão moral e social da
coisa.
Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio
(essa é de lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de
marca podem ser o sonho de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem
sou eu para discutir?). Só que, mesmo em quem se delicia com essas
coisas, a obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar
essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba
fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a
“vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer
contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as
mordomias da vida.
Alguns amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens
que faço por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é
claro, à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me
perguntam eles, que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda
Gabriel Monteiro da Silva, TV LED último modelo e o carro do ano
(enquanto mal têm tempo de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para
manter o padrão).
É muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não
estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá
baratex. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não
traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição
que aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém, são
mestres na arte do savoir vivre e sabem muito bem como pilotar um
fogão e uma vassoura.
PS: Não estou pregando a morte das empregadas domésticas – que
precisam do emprego no Brasil –, a queima dos sofás em L e nem achando
que o “modelo frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de
felicidade. Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma
parcela da classe média alta paulistana como uma generalização sobre a
sociedade brasileira, digo logo que, sim, esse texto se aplica ao pé
da letra para um público bem específico. Também entendo perfeitamente
que a vida não é tão “boa” para todos no Brasil, e que o “problema”
que levanto aqui pode até soar ridículo para alguns – por ser menor.
Minha intenção, com esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida
sempre pode ser menos complicada e mais racional do que imaginam as
elites mal-acostumadas no Brasil
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário